terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Entrevista com Ozualdo Candeias / 1° Parte

Por Ruy Gardnier (agosto de 1999)

O COMEÇO

O que te moveu pra começar a fazer cinema e especificamente o teu cinema?
É o seguinte: desde moleque, eu nunca quis ser nada. Todo mundo fala: "Eu faço o que o meu pai faz". Mas eu era meio assim. Como uma das vezes eu morava na beirada de uma estrada de ferro, eu falei que queria ser maquinista, achava aquilo bonito. E depois, lá em Mato Grosso tinha a peonada, eu gostava da peonada, e eu comecei e queria ser peão. Tinham alguns que eram matadores profissionais, bons de pontaria pra caramba, então eu queria ser também um matador profissional, justiceiro.

Você chegou a treinar tiro?
Eu sou sargento de aviação, fiz curso com americanos de metralhadora anti-aérea, metralhadora de bordo. Eu gosto de armas, mas não é por isso não... Eu gosto de equipamentos, essas coisas de cinema e vai daí afora. Eu só estou tentando dizer que eu não era daquelas pessoas que queriam ser alguma coisa. Meu pai vivia andando, né? Então estivemos em Mato Grosso, Campo Grande, Coxim, Três Lagoas, sei lá mais quê, Presidente Prudente, Marília, Olímpia e vai daí afora. Até eu ficar mais ou menos com treze, catorze anos. Aí São Paulo outra vez, fomos trabalhar, numa merda danada, todo mundo trabalhava e mal dava para comer e eu fui ser operário numa fábrica de camas. E como aquilo me chateava eu saía do emprego, ia embora e arrumava outro em qualquer canto e não recebia. Que eu achava meio chato esse negócio de fazer os outros pagar. Aí a minha mãe tinha que saber por onde eu tinha andado para ir buscar o dinheiro, porque eu precisava do dinheiro. Aí eu percebi que eu tinha que continuar estudando porque sem estudar eu não ia conseguir emprego nem porra nenhuma, e eu já tinha alguns conhecidos já letrados, que já tinham primário, secundário e eu nada. Aí eu falei com o meu pai, já estava um pouco melhor de dinheiro, eu fiz um exame de admissão, passei seis meses fazendo exame de admissão - eu só tinha até segundo ano primário - mas passei. Passei e aí fiz perito contador, esses troços todos, mas não terminou. Daí entrei pras forças armadas.

Tudo isso em Mato Grosso?
Não, tudo isso entre Mato Grosso e São Paulo.

Mas a admissão você já fez em São Paulo?
Fiz em São Paulo. E eu estava para terminar, para receber diploma, larguei tudo e mandei tudo à merda. Fui fazer escola de cadetes do Rio Grande do Sul, levei pau nos exames, não sei bem por quê, porque tinham uns dez caras fazendo no Rio de Janeiro e o único que sabia alguma coisa era eu, porque o resto não sabia nada, eu conhecia os caras... Isso pra explicar que eu era um cara sem vocação pra nada.
O fato é que lá num dia, depois de Forças Armadas, depois de eu ter comprado um caminhão, viajado com um caminhão por aí - o que também encheu o saco, porque era andar por aí de caminhão transportando era bom, o duro era receber -, e eu tinha uns tempos de prefeitura, então eu tinha uns tantos direitos com relação ao funcionalismo público, e aí num dia eu vi uns projetorzinhos de cinema, achava que aquilo era meio engraçado e podia comprar um. E eu tinha casado a pouco tempo, tinha um filho pequeno e pensei em mostrar pro moleque, fazer a festa da gurizada. Mas quando eu fui comprar a máquina eu achei que aquilo era uma puta besteira - comprar máquina pra quê? Vamos no cinema que é muito mais simples... - e quando eu fui comprar o projetor eu vi umas câmeras de filmar. Aí eu vi uma 16mm K-stone. O preço era um pouco maior mas eu passei na casa do meu pai que era lá por perto, ele me emprestou dinheiro e eu fui lá e comprei a camerazinha. Juntei uns conhecidos por aí, puseram uma fitinha, "Olha, põe aqui a objetiva no vermelhinho, aqui que isso aqui dá certo, sai". E saiu, né? E eu, junto com uns caras, falamos: "E agora pra ver?" Aí eu comprei um outro projetor num outro cara mas já era um sonoro. Fiz um negócio com o cara, botei ele na fita também, aí fomos pegar o projetor dele e fomos ver. Aquilo era tudo uma festa, né?

Isso com que idade?
Eu já estava pra lá de adulto, eu já tinha trinta e não sei quantos anos.

Você ficou no caminhão até quando?
Eu andei com ele cinco, seis anos. É que eu ficava fazendo uma coisa e depois largava. Mas nesse momento eu ainda tinha caminhão. Quando eu comprei essas câmeras eu ainda tinha caminhão. Por exemplo, eu às vezes viajava, fiz um montão de coisas em Belo Horizonte, no Sul, filmei umas coisas, e na verdade estava na moda, estava aparecendo muito disco voador por aí, pelo menos no jornal, e eu falei: "Eu ainda filmo um disco voador". Eu viajava no caminhão com a câmera do lado pra filmar um disco voador (risos) mas era uma câmera muito boa, era uma objetiva já de polegada, que já não era foco fixo e eu precisava prender. Mas o que acabou me mudando as coisas é que um dia eu quis filmar determinadas coisas que eu não tinha condição, conhecimento técnico. E estraguei uma bobininha de trinta metros, e tive que pagar, junto com uns caras, que era vaca pra comprar uma bobininha. Porque tudo naquele momento pra mim era muito caro. Aí eu fui numa dessas óticas e comprei um livro - eu vou só citar este - que era Cinecamera y sua tecnica 16mm, e comecei aquilo que era fotografia e também eu não sabia nada. Aí é que eu percebi, eu falei: "Puta merda, é por isso que eu erro tudo". Aí eu aprendi o que era câmera, o que era luz, o que era fotografia, essa coisa toda. Passei a entender isso. Com este livro, eu já fiz minhas tentativas. Eu morava lá em Jaçanã e tinha uma fábrica lá, uma produtora de filmes chamada Maristela, depois da Vera Cruz era a melhor, só que a Maristela é posterior à Vera Cruz, a Vera Cruz fechou no começo dos 50 e essa foi quase até 60, fazendo uns filmes tecnicamente muito bons. E era a única com capital privado sem picaretagem. Nesse negócio eu conheci um assistente de câmera, por causa da minha 16mm eu fui bater numa tal de Saturno Filmes, porque era um pessoal que trabalhava com 16. Porque o filme que eu tinha comprado estava estragado. Eu comprei numa Mesbla aí qualquer e quando fui reclamar o cara me mandou reclamar com outro cara que o filme não era dele. Aí eu conheci o cara e comecei a aprender a coisa, porque foi a primeira vez que eu tentei filmar negativo positivo. porque antes era sempre diapositivo. Aí eu fiquei sabendo que aquele negativo que eu comprei não era negativo de imagem, era negativo de som. Sensibilidade muito baixa e um contraste tremendo. Aí fiquei conhecendo a moçada, a raça toda que estava por lá, e como eu morava em Jaçanã, um cara chamado Eliseu Fernandes, ele disse: "Quer dar uma chegada e olhar o estúdio?". Eu eu fui lá ver. No dia que eu cheguei, a grua estava parada porque não estava freando. Aí eu perguntei por que não ia. Eu falei: "Deixa eu dar uma olhada", que eu tenho umas idéias, sobre uma porção de coisas. Eu quase sempre fui muito curioso. Aí eu olhei e disse: "Pra trabalhar hoje se vocês quiserem eu dou um jeito nela". Eu notei que o freio dela era hidráulico igual automóvel, e um lado estava com o burrinho vazando. Então eu anulei esse burrinho e ela passou a trabalhar só de um lado. A turma gostou, o iluminador ficou falando. Aí o cara me deu a dica de que lá pelos 50 tinha havido uma escola de cinema em São Paulo com o pessoal da Vera Cruz onde tinha o Nélson Pereira, se não me engano o Roberto Farias que fizeram este seminário de cinema, tinha o Cavalcanti aí também. E abriram esse curso de novo em 56, e eu entrei pra fazer esse curso. Terminei ali por 1960. E esse curso logo depois que eu terminei ele foi pra FAAP e é o curso de cinema deles. Então essa foi a maneira como eu comecei cinema. Nesse meio tempo, eu já tinha boa idéia, já tinha uns vinte ou trinta livros de cinema.

Esses livros eram todos sobre técnica?
Todos eles sobre técnica, não tinha mais nada. Era montagem, era produção... Nisto eu conheci um inglês chamado Ballandier que tinha uma câmera, vinha da Inglaterra e disse que estava fazendo direção de fotografia e me chamou pra vir ajudar. Eu até estava ajudando na produção com o meu caminhão, não era porque eu sabia nada não. Nesse momento, já em 55, eu já dominava a minha câmera, a linguagem, eu comprei aquelas moviolinhas... roladeira, como falam, e fiz um filme sobre um padre milagroso aqui do estado de São Paulo. E esse filme até pouco tempo ainda foi tido como um dos melhores filmes sobre essa religiosidade. Fiz de caminhão, eu vinha, filmava... Ficou uma puta surpresa.

Esse filme qual é?
Chama Tambaú, Cidade do Milagre. O padre chamava-se Donizete, então todo mundo que se chama Donizete hoje é por causa desse padre. Então eu fui junto com uns caras, fizemos uma sociedade e deu uma graninha a fita.

Era um curta-metragem?
Não, um média. Passou em cinema de 16mm. E um cara do Rio de Janeiro, o Wolf, veio aqui e ganhou o que seria hoje um milhão ou dois. O Pieralisi, que é um outro italiano, veio aqui pra fazer um documentário pra ganhar um dinheiro também, mas quando veio isso já estava furado... Aí eu conheci esse cara, e ele precisava fazer uma reportagem, que ele era cinegrafista também, esse George Ballandier, e ele tinha um encontro com uma mulher, e perguntou se eu queria fazer aquilo pra ele. Mas eu nunca tinha mexido numa Arri. Aí ele me deu a Arri e eu disse: "Mas me ensina a carregar". E eu fiz a reportagem. A reportagem agradou pra caramba. Daí pra frente eu virei cinegrafista. E fui cinegrafista quase até 70. Fiz cinegrafia para um bocado de gente. Mas como pra essas produtoras o que eu filmava os caras não montavam porque eu riscava (o filme), tinha uma certa ousadia, inventava, etc., então eu montava. Ninguém fazia primeiríssimo plano cortado pra isso, praquilo e eu logo fazia, fazia o que dava para experimentar. Então eu tinha que montar para os caras. Aí entrava outro negócio: do jeito que eu montava, os caras que escreviam texto pros jornais diziam que não podiam. E de fato não era nada do que eles estavam acostumados a fazer. Então eu passei a fazer o texto também. Eu dava a minha matéria pronta, montada em negativo e escrita. E às vezes fazia um jornal inteirinho. Aí vinha um cara de Goiás, do Mato Grosso e fazia um jornal inteirinho, ele me pagava e pronto. Claro, ele tinha lá as picaretagens dele lá na terra dele. Eu ia lá, filmava o que ele queria, juntava com algumas curiosidades e montava o jornal. E assim eu fui vivendo. Até fazer o primeiro longa.

Isso foi quando?
Isto já era 60, tudo no início da década de 60 que eu comecei a fazer turismo e também viajei pela América do Sul toda também numa produção.

Pois é, eu vi aquele especial do Valêncio Xavier da América do Sul, com os seus curtas.
É meio chato aquilo... O caso é o seguinte: ele me convenceu a fazer aquela porra daquele negócio (risos). E eu de uma má vontade filha da puta...

Você estava bem, falando das tribos, dos lugares...
Depois daquilo eu fiz mais dois. Como também fui ator de primeiro papel em dois filmes. Tinha um cara que queria me contratar para dois ou três filmes, exclusivo, já pagava mas eu tinha que ser o ator principal. Eu disse deixa pra lá que eu não estou muito a fim disso não. Eu as fitas que eu fiz como ator foram muito bem. Eu sempre trabalhei com o David Cardoso. Depois trabalhei com o Mojica também, e a fita que ele fez ficou famosinha, eu não sei qual é o nome dela, Besta Fera...

O Despertar da Besta?
É, O Despertar, uma besteira dessa ordem. Tem eu e uns caras aí. "Não, vamos lá!" Não tinha nada para fazer então eu ia. Fui lá e não pagou nada, ele entrou numa fita minha, trabalhou uma hora e quando acabou já foi perguntando "Cadê o meu?" (risos) E no filme dele eu fiquei um mês pra fazer a fita dele. Quando eu falei "Corta! Corta!", ele perguntou se tinha mais alguma coisa e já foi pedindo o dele, falando que não queria em cheque... Ele é desse jeito mesmo. (risos) Você mencionou esse da América do Sul, eu também fiz perto de vinte episódios sobre história da arte do Brasil para a TV 2. Fez um puta sucesso na época.

Isso foi por quando?
Perto de 80. Fiz um espetáculo, ficou muito bom também. Este ano, aqui, no concurso de peças tem uma que o argumento é meu, e foi muito bem, ganhou prêmios. Claro que teve o diretor, mas é projeto amador, incentivo para essas secretarias de cultura municipais por aí. Mas agradou muito.
Bom então este é o começo. Aí eu tive que bolar um filme. Aí arrumei um cara meio sócio. Convenci um pessoal para pagar umas coisas, virou uma cooperativa, né? Tinha cara lá que ganhava pelo papel 0,001 porque não tinha nada o que fazer... Mas a fita foi a que me lançou, a que estourou foi A Margem.

Qual é o seu filme que você gosta mais?
Dos meus? Não tenho predileção por nenhum, nem detesto um também. Eu na verdade não faço o filme que eu gostaria de ver, eu faço o filme que eu acho que deve ser feito e que deve ter pelo menos alguma importância cultural, social, política. Eu faço por isso. Agora, o papo de gostar, é claro, cada um tem alguma coisa que eu gosto, mas é pelo que aconteceu e o que deixou de acontecer, pelas relações com as pessoas na filmagem... Me parece que todos eles têm lá sua importância.

Mas você separa entre os filmes que você faz de encomenda e os que faz por vontade?
Eu não tenho fita de encomenda, na minha opinião.

Mas e a do David Cardoso (Caçada Sangrenta), A Freira e a Tortura...
Mas eu fiz porque eu quis, ele foi feito como eu queria, não foi feito como o David quis não. E muito menos como o Jorge Andrade, que é o dono do argumento. O que eu fiz é só baseado no argumento do Jorge Andrade, ele ficou puto da vida comigo por causa disso. E o David gostou do negócio, o papel é muito bom pra ele e ele topou coproduzir. Ficou quatro, seis meses preso na censura. Claro que, na revolução ainda, tinha que ter ficado mesmo. Agora, tinha umas coisas no filme que eu fazia umas grossuras na fita com o Médici e ele tirou. E eu só vi isso quando a fita estava pronta.

Quando é que você começou a achar que nos seus filmes deveria ter essa coisa social, política?
Tem uma coisa que é meio inata, creio eu. É que quando eu fiz o primeiro filme, ele virou mais ou menos social porque era a minha visão de mundo. Eu não sabia, eu não tinha consciência porque eu não usava nada disso, eu ficava por aí, meu negócio era andar atrás de mulher, e nunca tirei fotografia, não tinha nada a ver com nada... Tinha é que trabalhar, né? Eu sempre tive facilidade de fazer as coisas e às vezes escrevia. Talvez tivesse uma certa vocação para escrever. Quando eu era recruta e estava no exército, os caras que escreviam muito mal e sabiam que eu escrevia bem pagavam um almoço pra mim, pra eu escrever carta pra namorada... Dependendo da namorada, eu dizia: "Olha, enfeita bem", ou então não... Isso lá na caserna. Numa das vezes, eu trabalhava no Estado Maior e inventei uma história de ficção, uma viagem de um universo pra outro. Eu tinha idéia assim, dumas coisas astronômicas. Fiz uma nave, aquele negócio todo, e tinha os conflitos dos tripulantes... Mas os tripulantes eram todos gente conhecida: era o cabo num sei quê, o sargento num sei que lá... Então quando eu não gostava o cara apanhava... (risos) E todo mundo lia a minha história. O cabo do rancho, que se chamava Tatu, um dia disse: "Poxa, você precisa me pôr nisso. Você sabe fazer, você apanha qualquer dia aí uma goiabada com queijo". Aí eu coloquei ele e quando dava hora do almoço eu passava ali, tomava um cafezinho, tudo escondido, porque não podia ser de outro jeito. Isso por causa do personagem... Tem uma outra história, de uma zona lá por Presidente Prudente, tinha uns caras que eu conhecia, uns caras da polícia e da comunicação, a gente ia pra lá e eu inventei uma história, eu sentava na máquina do escritório de um deles, e então fazia uma cara escrevendo uma carta para uma mulher no Rio e a mulher do Rio escrevia pra ela. E o tema era o seguinte: era uma cara que tinha saído daqui e tinha ido pro Rio de Janeiro mas tinha sido traficada por traficantes. Então tinha aquele negócio, ela ia pra zona, etc. Ela contava a saga dela toda. Aí os caras vinham aqui, e tinha um cara que levava pra zona e acabava dormindo com as mulheres porque ele dizia que era ele que escrevia. (risos) Tinha um dia que eu dava carta pra ele e ele ia pra zona, uns cinco, seis e a mulherada toda em volta dele porque ele lia, fazia leitura das minhas cartas e dizia que era verdade (risos). Depois é que eu fiquei sabendo, eu disse pra ele "Não tem mais carta". E ele: "Não faz isso comigo..." (risos). Então era assim, social ou não, a minha visão da coisa era essa. Com A Margem, como eu comecei a ter que falar com muita gente, fazer papo sobre cinema, aí eu comecei a pegar o jeito, e tive que me definir com esse problema de posição. E que no fim virou essa coisa do marginal por aqui também. De fato, eu tenho uma certa admiração por Marx, acho um cara importante, pelo menos por ter descoberto que o importante é a mão de obra e não o capital, acho isso muito bom. Acabei sendo meio maoista, porque não podia ser trotskista, leninista, porque me desagrada de fato. Mas eu sempre fui meio considerado anarquista, né?

Engraçado que a maior parte dos cineastas de esquerda do cinema novo são pessoas vindas da burguesia que são aquela do intelectual que tem que renunciar a sua classe para poder falar. Você não tem isso, já é outra coisa... você já é do campo...
Se você pegar o Nélson (Pereira dos Santos), ele não é de uma origem muito lá em cima também não. Que é o cara que tem consciência mesmo. Porque o pessoal do cinema novo, eu não acho assim... Eles eram mais ou menos esquerda por um momento que era moda, e depois iriam abrir mão disso. Foi o que me aconteceu em Brasília. Perguntaram: "Olha, você ainda continua com essa de esquerda? Ora, todo mundo já abriu mão". Então tem esta coisa, né?

O Glauber foi meio porra-louca até a morte.
Mas nunca foi tido como esquerda nem marxista, nunca. É que inventaram que ele era por uma série de razões. O que ele tinha era uma visão bem liberal das coisas. E o que estava acima de tudo era o cinema. Mas todo mundo inventou aquilo. Ele nunca foi exilado também, como tem um bocado de gente... "No tempo que fui exilado, eu passei por México, por Cuba", eu digo: "Exilado o caralho". Foi tudo auto-exilado. E tem mais: eu acho que aquele cara que é auto-exilado, eu não tenho muito respeito por ele não, porque se ele tinha alguma coisa a fazer naquele momento de revolução, alguma atitude para tomar, vale a pena é aqui dentro, não é lá fora não.

Nessa época você até burlou a censura fazendo o ZéZero e o Candinho.
Tem o ZéZero e o Candinho, e ninguém fez isso. Se pegam esse filme eu estava meio mal, ia debaixo de porrada pelo menos. O ZéZero passa por aqui, na Eca, tem um professor... É uma fita que foi feita assim, só eu e os atores, mais ninguém. Todos dois têm prêmio estadual. Quer dizer, por baixo da cortina, né?

Você teve algum tipo de relação complicada com censura, do tipo ameaça de prisão?
Não. Eu tinha uma idéia perfeita do que a censura podia fazer. Não é o problema de ser auto-censura, que muita gente acha que complica mas eu não acho. O cara pode se auto-censurar quando ele tem um puta conhecimento. Se ele não tem nada ele vai censurar o quê? Então ele vai ficar com medo. E eu não tinha medo. Por exemplo, Meu Nome É Tonho teve problemas na censura, tiraram uns pedacinhos, e quando veio eu fiz uns cortes. E muita gente entendeu a fita meio como metáfora, mas não é. É uma fita toda cultural, baseada nos nossos bandidos, nosos matadores. Foi um puta sucesso.


fonte: http://www.contracampo.com.br/

Nenhum comentário: