segunda-feira, 23 de março de 2009

O Cinema Marginal no Brasil

Por Me segura qu'eu vou dar um troço
O Cinema Marginal absorve a influência tropicalista, da colagem, da “pop art” e do Kitsch, ou seja, toda a indústria cultural que estava em efervescência no momento. E toda a crítica irônica do bombardeamento da sociedade pelos objetos de consumo e os signos estéticos massificados da publicidade. Neste momento duas vertentes surgiram e se mostraram antagônicas. De um lado, aqueles que defendiam um cinema que fizesse concessões ao público e permitisse um diálogo contínuo. De outro lado, uma nova safra de diretores, como Júlio Bressane, Carlos Reichenbach, Rogério Sganzerla e Ozualdo Candeias. O Cinema Marginal como um movimento dentro da produção cinematográfica brasileira, teve início em 1967 com o filme “A margem” de Ozualdo Candeias e durou até 1975, o que coincidiu mais precisamente com a criação da EmbraFilmes, pelo Estado.

Ao contrário do movimento Cinema Novo, o Cinema Marginal não se define por uma coesão interna e tampouco seus membros se reconheciam como grupo. As origens dos diretores do ciclo marginal são bem diferentes. Suas preocupações principais sempre foram a subversão da linguagem cinematográfica e um amor pelo cinema que ultrapassou o ativismo político. Estes autores subverteram a prática cinematográfica realizada no Brasil, ao utilizar em seus filmes, narrativas fragmentadas e uma estética pouco refinada, influenciados por filmes do diretor Jean-Luc Godard, os neo-expressionistas americanos do cinema B e o deboche da Chanchada (daí o humor ausente por completo nos filmes do Cinema Novo anteriores a Macunaíma). E a literatura de Oswald de Andrade, Jorge Mautner, José Agrippino de Paula, a arte conceitual de Hélio Oiticica, a música popular, de Mário Reis à Tropicália, passando por Jimi Hendrix e o teatro de José Celso Martinez Correa.

A denominação “marginal” que o define foi talvez a forma mais apropriada encontrada por críticos para identificar certa harmonia em termos de estilo que, de certo modo, unia o grupo de jovens realizadores paulistas. O Cinema Marginal também era conhecido como cinema de invenção, “udigrudi”, cinema do lixo, cinema da boca, “underground”, marginalizado, experimental, maldito, mas apenas “marginal” delineia o sentido e a postura ideológica deste movimento que propõe rupturas com o processo de produção cinematográfico até então vigente no país.

À medida que o grupo do Cinema Novo entra em contradição no que diz respeito à liberdade do autor e a busca de ampliação de mercados de exibição, os autores marginais se distanciam deste e radicalizam seu discurso. Antes que se estabelecesse uma ruptura definitiva com o Cinema Novo, criando-se o experimental, pelo menos três jovens diretores de São Paulo, ligados ao surgimento do cinema marginal, tiveram a oportunidade de manifestar e documentar as suas sintonias com aquele movimento, um deles foi Rogério Sganzerla, realizador do filme: “O bandido da luz vermelha”, obra considerada ponto de transição entre o discurso do Cinema Novo e o Cinema Marginal. Pois o protagonista não é mais um personagem sertanejo e sim um homem urbano, aliás um homem que vivia no submundo de São Paulo, um marginal. Os filmes marginais saem da temática rural e vão começar a falar da vida na cidade e toda a cultura de massa influenciada pela tv que era febre neste momento no Brasil. O cafona e o kitsch (objetos populares) ou brega, são utilizados nos filmes para mostrar como seus personagens estão envolvidos na sociedade de consumo, conseqüentemente criticando-os por isso.

Pode-se notar que esta influência vem em parte muito ao que a Tropicália pregava incluindo o domínio da paródia, que vai totalmente de encontro à “Estética da Fome”, com isso nasce um desdobramento radical que vem a se chamar: “Estética do lixo”. No submundo dos personagens da Boca do Lixo, onde eram gravados os primeiros filmes marginais, o que impera é degradação social. Ali, câmera na mão e descontinuidade se alia a uma textura mais áspera do preto-e-branco que expulsa a higiene industrial da imagem e gera desconforto. Os marginais assumem um papel profanador no espaço da cultura e recusam o discurso da esquerda, optando pela agressão visual: sexo, luxúria, violência e pobreza. Os diretores “marginais” dialogam muito entre si por conta das temáticas escolhidas, que envolvem sexo, corpo, poder e um quê de “espetacularização” de tragédias sociais, avacalhação das misérias humanas, deboche e ironia da sociedade de consumo que eles se influenciam. Ou seja, ao mesmo tempo em que os filmes do cinema marginal são influenciados pela Indústria Cultural, é usada esta influência para se autocriticar, colocando a massa, e seus novos valores de vida como objetos descartáveis ou lixo.

Um dos filmes do cinema marginal que satiriza este tipo de situação é “Meteorango Kid, O Herói Intergalático” do diretor André Luiz Oliveira, no qual uma cena mostra a situação do cinema nacional naquela época, onde a indústria ditava o que o povo tinha que assistir e o que faria sucesso. Um jovem querendo ser cineasta vai a uma produtora cinematográfica para tentar conseguir um emprego, pois queria trabalhar na área. Conversando com o chefão da produtora, que fala para o jovem que já fez muitos filmes , tendo a fórmula do sucesso e sabe do que o povo gosta, ensina os “meios” ao jovem para conseguir atrair o público, ele fala que um filme tem que ter bunda, peito, um dramazinho e está pronto, para o sucesso, ou seja, a fórmula está pronta, e quem cria isto é a indústria, que impõe esta receita e quem não segui-la, nunca vai conseguir êxito. No caso do filme, se o jovem não se moldar à indústria nunca vai ter uma carreira como diretor.

quarta-feira, 11 de março de 2009

A Chanchada é o caminho!

por Me Segura Qu'eu Vou Dar Um Troço

Em tempos de cinema nacional cada vez mais com a cara de Hollywood, desde as suas superproduções aos festivais megalomaníacos, com tapetes vermelhos, percebemos que os filmes nacionais se renderam a certas estruturas dominantes. Até o primitivo Mojica, com seu personagem Zé do Caixão, está com um filme (Encarnação do Demônio) que faz questão de ser o “Jogos Mortais” à brasileira. Ai que saudade da nossa macumba.

Já dizia Paulo Emílio Sales: “O cinema brasileiro tem uma incompetência criativa em copiar”. Até hoje, a maioria dos filmes brasileiros são uma mera cópia do cinema estrangeiro, tentam se parecer e estão até conseguindo (este é o problema), retratando as diferenças sociais do Brasil com a linguagem do “Cinemão”, para conquistar o público. Com a procura incessante da “tal” competência, o cinema brasileiro copia Hollywood, mas cai na falta de criatividade. O cinema nacional está mais preocupado com uma indicação dos seus filmes ao Oscar, para isto, criaram seu selo de qualidade, a Globo Filmes, e propagam para o expectador, como se isso fosse o cinema nacional apto a fazer sucesso no exterior, tornando os filmes, no final das contas, a continuação de Hollywood. Por isso a Chanchada é o caminho do cinema nacional, não em sua forma de pensar como indústria, mas com a linguagem paródica, com a relação direta entre realizador e exibidor. Se é para copiar, vamos debochar. O bandido da Luz Vermelha é anárquico e profético quando diz: “Quando a gente não pode mudar, a gente avacalha e se esculhamba”. Não é a toa que o cinema marginal brasileiro tem uma grande influência da Chanchada, que surge entre os anos de 1929 e 1931 com “Acabaram-se os Otários” e “O Babão”. Era um tipo de gênero cinematográfico de enredos simples, além da técnica e linguagem pobres, onde predomina o humor ingênuo, o burlesco. Sua influência vem do teatro de revista, teatro de comédia, representações ao vivo, que vão do burlesco ao musical, da comédia de costumes ao show. Alguns dos elementos mais relevantes que caracterizaram os filmes da Chanchada foram as sátiras e o grotesco paródico, onde eram explorados os instintos mais baixos, o exagero do absurdo e a cafonice; predominava o berro em vez da piada, substituindo a sutileza pela vulgaridade. A paródia é o elemento criativo mais representativo deste gênero. Um dos gloriosos exemplos é a cena do filme “Carnaval Atlântida” (1952), onde um produtor de espetáculos pede ao roteirista um quadro sobre Helena de Tróia e coisas “gregas”. E o personagem interpretado por Grande Otelo apresenta-lhe uma atriz do teatro rebolado no lugar da Helena, que entra cantando, ao lado de “Blecaute”, cantor popular da época, uma marchinha de Carnaval, seguido de um samba, entoado e dançado por bailarinas. A Grécia é simplesmente posta de ponta-cabeça. A Chanchada, com seu tórrido elemento de subversão, se inspira, principalmente, na teoria da carnavalização de Bakhtin, quando o Momo vira rei, representando que os excluídos estão no poder e as pessoas não mais se distinguem umas das outras, há uma inversão de valores sociais. No caso do cinema, o rebaixamento de uma cultura dominadora ou de uma cultura erudita.

O que está faltando para o cinema brasileiro é assumir sua identidade, de um cinema pobre em recursos, mas repleto de boas idéias, e começar a criar obras criticas através do deboche. Os filmes brasileiros vão dar um tapa na cara da sociedade e restabelecer as pessoas na realidade em que elas vivem, indicando que a solução do cinema brasileiro é a sátira às condições que o país encontra-se, avacalhando o “cinemão”, não querendo fazer igual a eles, e sim, o nosso cinema, passando por cima de falhas de estrutura, interesses de terceiros e políticas culturais, que nunca dão certo. E para que não seja preciso procurar a estrutura hollywoodiana de realizar filmes, que sempre fracassou, desde a Vera Cruz, até hoje, na cidade de Paulínia ou em Aracaju, com propostas de escolas, querendo ensinar cinema, através de um olhar acadêmico ou seria hollywoodiano. E que venha este novo cinema, muito mais Ozualdo Candeias e menos Fernando Meireles.
Obs: Na foto acima, Oscarito e Grande Otelo, ícones da Chanchada.