sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Filme do dia 31/01

A freira e a tortura

Ficção, 1983, 35 mm, Cor, 85 min

Adaptação da peça “O milagre da cela”, de Jorge Andrade, “A Freira e a tortura” é um dos filmes mais lineares de Candeias, mas, não deixa de ser uma provocação ferrenha a censura e a religião. Com a produção do rei da pornochanchada, David Cardoso, a Freira e a tortura têm uma forte carga erótica, mas nunca descambando para o pornô, como a maioria dos filmes da Boca do lixo, em meados dos anos 80. O filme, como não poderia deixar de ser, foi censurado, levando uma navalhada da censura federal numa cena que um dos personagens, joga o quadro com a foto do presidente Médice na privada. Polêmicas a parte, o filme foi finalmente liberado, sob veemente protesto e com voto contrário da então chefe do órgão, a famigerada Solange Hernandez, A freira e a tortura provocou uma insólita mobilização de protesto. Era a primeira vez que um filme erótico, egresso da Boca do Lixo e realizado por um artista popular, tinha a simpatia de parcela expressiva da elite política e intelectual, tornando-se mais um símbolo de luta contra o regime.
A Freira é presa como subversiva devido a sua atuação lecionando aos pobres. Uma vez na prisão, é submetida a vários tipos de tortura, inclusive sevícias sexuais. Entretanto, o delegado responsável pela investigação acaba por se apaixonar pela firmeza ética e pela beleza da religiosa. Ozualdo trabalha bastante com o foco/desfoque, o uso intenso da zoom, as locações precárias, deterioradas, a presença de não-atores, o espaço da periferia urbana, o corte abrupto e principalmente o tratamento lírico-patético dos excluídos.

Entrevista com Ozualdo Candeias / Final

Por Ruy Gardnier (agosto de 1999)
BOCA DO LIXO, CINEMA
Quem você acha que surgiu desse movimento - nem foi um movimento, mas foi uma coisa que comercialmente teve um peso - da Boca, quem que você acha que apareceu daí que realmente tem valor? Nas entrevistas você fala que não existe um movimento da Boca, uma linguagem da Boca, que existiam várias pessoas fazendo cinema. Quem você acha que surgiu de valor daqui?
É, porque não há bem uma linguagem. Há um tipo de cinema porque por razões econômicas, ele teria que ter aquela característica e naturalmente tinha o problema que estava vendendo e que era a moda - o que há anos já tinha acontecido na Europa e que estava acontecendo aqui - essas liberdades sexuais, então passaram a usar o pornô. Então a crítica, pra avacalhar, começou a chamar pornochanchada, por causa da proposta erótica e a condição de produção mímima. Isso aqui me faz lembrar Almeida Garret, que disse: "Para se ser escritor, é muito simples. Basta ler fulano, ler fulano e ler fulano". Então você arruma um vilão, uma mulher bonita, uma bruxa e depois vai escrevendo que costuma dar certo. Você pode falar de Lisboa, você pode falar de Paris sem precisar ter ido lá, você vê os nomes dos botecos e escreve. Eu acho que isto muito se aplica a este cinema da Boca. Porque ele foi feito mais ou menos desse jeito. O cara ia no cinema, via lá um negócio e botava, ia em outro e assim por diante. Até certo ponto o cinema brasileiro é um pouco isso. Com algumas exceções, acho que com uma exceção de no máximo 20%, porque o resto é meio isso. Aqui tinha gente que chegava na moviola com cópia de filme para ver como é que dava para ir fazendo as tomadas. Então eu acho que o que o Almeida Garret fala da literatura serve aqui para um bocado de gente, porque você vê uma fita, são quase todas do mesmo jeito. Todas elas têm aquele negócio, o cara trepa na cama, o cara trepa em pé, o outro vai trepar na areia, a outra trepa no mar. Ou é traição. Tem uma estatística, esse tipo de fita mais ou menos chegou em 78 a pelo menos 4 milhões de espectadores. Coisa que hoje quando fala em milhão fica todo mundo de olho aberto. Então, o Mazza levava 10,5 milhões, a Xuxa numa delas 9 milhões, Trapalhões levaram quase igual numa das fitas... Pedro Rovai deve ter uma média, só ele, de 4 milhões. O Pedro parece que descobriu bem esse tipo de fita, ele começou com Adultério à Brasileira, que teve o Adultério à Italiana e parece que deu... Ele sabia como escolher o título... Agarro Essa Vizinha... e aqui o negócio era descobrir o título... Tanto que quando eu fiz Aopção, isso aqui já tinha ido pro buraco, um cara perguntou pra mim: "Qual é o nome dessa tua fita". Eu falei: "A fita é Aopção." "Opção?" "É." "E esse nome vai passar na censura?" Você vê que o cara pensou que eu arrumei um nome pra botar na fita... (risos) Andava por aqui um tal de Roberto Mauro, andou fazendo umas coisas, e agora parece que é pastor igual o Jece Valadão, sabe? Até eu vendi um roteiro pra ele e um produtor aí, e ficou até boa. Era uma fita de dupla personalidade. Claro que é um negócio meio complicado mas não ficou mal.
Qual é o filme?
Eu não me lembro o nome. Quem dirigiu foi o Roberto Mauro (trata-se, de fato, de Desejo Violento, de 1978). Eu vendi o roteiro para eles e a fita não ficou mal. E depois, teve aquela história dos marginais, etc. Quem começou meio com isso foi até o Roberto Santos. Ele chamava essas fitas, a minha também, de malditas. Então começou esse negócio de maldito e de repente virou marginal. Então eu acho que essas fitas deviam ser marginais porque tratavam de personagens marginais. Mas isso também foi uma, duas vezes, e aí acabou a coisa.
Foi um período curto.
Foi curto, tem uma meia-dúzia de fitas só. Eu acho que as minhas continuaram mais ou menos dentro dessa proposta. O Sganzerla e o Reichenbach fizeram filme aqui. O que você acha do trabalho deles? O Carlão fez uma produção aqui com o dinheiro do bolso dele, o segundo ou o terceiro longa dele, eu acho muito bom.
Lilian M?
Isso, Lilian M... Mas eu acho esse A Corrida em Busca do Amor a melhor coisa, sabe? Mas não serve muito de referencial porque é uma fita feita num tapa com ele e o Jairo Ferreira, mas que eu acho engraçada pra caramba eu acho. Acho bom pra burro aquilo. Ele e o Antônio Lima. Do Sganzerla eu tenho as minhas restrições porque não é uma fita feita com certas liberdades. E depois me parece que ela como um todo é um filme razoável, mas dependente muito do texto, sem o texto ela pode se acabar. E depois tem o referencial dela que é o cidadão da França... a fita é parecidíssima com Pierrot le Fou. O que é interessante na fita do Sganzerla é o comportamento dos atores, o assassino, o marginal, o malandro, o vagabundo, não é esse estereótipo que tem por aí. É um cara como outro qualquer, com as mesmas tristezas e as mesmas alegrias. E o Godard fez isso muito bem, eu gostei do filme dele. Acontece que tem uma fita, do cara que fez Bonnie and Clyde nos Estados Unidos.
Arthur Penn.
É, o Arthur Penn. Em Bonnie And Clyde ele já faz exatamente isso. Eu não sei se foi o Godard quem adotou esse comportamento marginal, ou se é o Arthur Penn. Nunca ninguém questionou isso, mas eu presto muita atenção nas coisas... O forte do Godard nessa fita é isso. Não é porque o cara está todo fodido, todo mundo querendo matar que... não! Você pega aqueles dois pós-adolescentes que são Bonnie e Clyde, e parecem de classe média em todas as suas atitudes, até morrer. Eu acho que isto é uma colocação, e que depois o Sganzerla fez a mesma colocação. É meio besteira minha, mas o que eu gosto mais dele é A Mulher de Todos. Me pareceu melhor e mais dele. Mas falam do Bandido, Bandido... e outra, a fita foi feita de bandido não foi por causa do bandido (o verdadeiro bandido da luz vermelha, caso dos noticiários da época), foi por causa da publicidade que estava nos jornais em cima do bandido da luz vermelha. Este pessoal, falavam que as fitas desse pessoal eram meio subterrâneas, e que começaram a chamar de udigrudi, de underground, e eram fitas com propostas acentuadamente comerciais e que iam pra censura e que nada tinham a ver com seu referencial que era o underground dos Estados Unidos. A única coisa que poderia ser com cara de underground são o ZéZero e o Candinho.
Você tirava elas da censura. Não era nem oficial a exibição delas...
Eu convidei esses caras pra gente trabalhar juntos, fazer uma meia dúzia delas, pra fazer frente à censura dos militares, mas ninguém topou. Falei com todos esses aí. Então eu pus a máquina nas costas e fui embora. Agora o Carlão (Carlos Reichenbach, n.d.e.) ainda me emprestou o estúdio dele, me emprestou moviola, uma porção de coisas. Um outro cara me emprestou a câmara pra eu filmar e a coisa foi feita mais ou menos assim. Fiz nas escolinhas do Mojica, fiz com outros atores, essa coisa toda, mas ninguém quis entrar comigo. Foi feita sem entrar na censura, era escondida. Quando era passado na faculdade eu levava outra fita... tinha um olheiro e, se ele desse o sinal, tirava o filme e botava desenho animado. Eu sabia que não ia dar certo. (fala de ZéZero) Os militares fizeram a loteca como uma grande coisa. Então o cara pra poder jogar na loteca, no caso de um operário, tem que jogar todo o salário e morrer de fome. E já antes tinha dito, essa loteca dá ou não dá? Então quem é o responsável? Essa loteca era uma enganação, não tem outra, sabe? E o Candinho é um cara que eu ouvi dizer, que o padre disse pra ele, que quando ele estivesse fodido, que procurasse Deus e ele resolvia. Isso é baseado numa música peruana. Mas não é muito incaica, é misturada, entre espanhola e inca, que fala desses mineradores. Então eu fiz isso, tem um cara que está com a família fodida, o dono da família joga ele fora, ele sai e o padre dá um santinho pra ele, ele olha a reza, faz, vai na igreja. Então ele, com o santinho, anda por São Paulo, por todo canto, e um tipo de chola anda com ele também. Chola é uma mestiça de incaica com espanhola. E andam os dois juntos para verem se resolvem a vida. E lá num dia ele desiste, sai andando e ouve Jesus Alegria dos Homens e segue a luz, essa música, e entra no lugar que foi no estúdio do Carlão. Como não tinha dinheiro pra fazer cenografia, disse então tá, e fiz com fundo infinito, aquela coisa toda que visualmente ficou bom. Quando ele vê o lugar onde tocava aquela música está o fazendeiro que tinha chutado ele pra fora estava falando com alguém que parecia com Deus, estão tomando café, numa boa, e os capangas estão juntos. Ele é meio imbecilóide e aleijado. Ele chega, vê aquilo, corre lá e Deus dá a mão pra ele, ele põe a mão, fica deslumbrado, vem o café e não dão café pra ele. O fazendeiro vira para o Deus, fala qualquer coisa, os caras ficam olhando. Quando ele sai ele já nem manca mais e já não está mais imbecil. Ele olha assim, vê longe uma cruz com uma metralhadora dependurada. Ele sai andando e chega na cruz e fica olhando. E a chola também chega. Aí eu ponho som de rajada de metralhadora. Só que ninguém teve coragem de fazer uma crítica de cinema. Agora eu vou mandar isso pra censura? (risos) Eu gosto muito mais do Candinho, bem mais do que o ZéZero, mais que o da loteca, bem mais. Por causa dos meus personagens eu fui preso, a polícia me pegou, mas tinha um cara que estava de longe vendo, ele escrevia no Estado, correu na polícia que eu já ia pro DOPS. Ele chegou na polícia e falou: "ele tá fazendo filme, não é nada disso não, eu estou assessorando ele", e me soltaram. Outra vez foi num viaduto, uma mulher chegou e perguntou "por que você está fazendo isso?" Só pra você ver, eu estava filmando, não foi com a exibição do filme não.
Você filma muito por aqui?
Não, só quando comporta. Por exemplo, em Aopção, dá pra entrar aqui.
Na parte da cidade...
Isso, tem aquele cara que anda com as duas pernas só pra cima, eu fiz aqui num boteco. E engraçado que todo mundo tem medo de falar de aleijado, mas o aleijado está nos meus filmes porque o único lugar onde ele pode se relacionar como aleijado é onde ninguém o trata com paternalismo nem com dó, que é onde ele pode existir. Tem um negócio que eu estou pra fazer, que se chama O Caixeiro Viajante Que Não Morreu, que eu dou idéia e explico que em todo lugar da zona, no tempo que viajante era o tal, os caras iam pra zona, porque lá não há muito preconceito, todo mundo vive lá e ninguém tem paternalismo. Nesses meus filmes, tem isso. E tem As Bellas da Billings, aquele cara que pede esmolas, ninguém entende bem. Pois bem, um cara todo fodido, pede esmola e tem empregado um cara que podia estar na produção. Quer dizer, aonde está o defeito? É numa sociedade toda errada. E este cara que podia estar trabalhando, não, está de óculos de walkman, e todo mundo ficou puto da vida comigo, porque ele vai na cama, põe ele nas costas, leva ele na privada... É onde o Calil fala, "como é que você põe um negócio desse?" E isso acaba chocando, porque ninguém quer ver isso, porque eu também trato esses aleijados sem paternalismo, está aí.
Você trata ele como um humano, como os outros não tratam até...
Em Aopção, ele está na mesa e o cara diz: "Lê essa carta aí pra mim", quando ele recebeu uma carta da Bahia. E o cara pergunta para ele "Escuta, mas você não sabe ler não?" E o outro responde "É que eu não trouxe os meus óculos..." Quer dizer, é um analfabeto. E tem aquele negócio, que baixinho, aleijado, só serve pra levar recado pra puta, né? Aí ele fala "Então leva isso aí pra fulana." E ele sai com aquilo na cabeça e a mãe disse: "É, a sua irmã vai bem, agora arrumou um emprego, disse que vai trabalhar lá em baixo, vai ser 'maratriz'". São coisas que acontecem, ele fez o serviço dele, foi levar o recado pra puta... enquanto o outro bebia, comia... Mas num dia em que eu já estava fazendo a fita, cheguei ali e tinha um cara que não tinha braço nem perna, um toquinho de gente, ele estava comendo lá aí eu paguei a comida dele e filmei. Mas comporta. No Vigilante é diferente, não tinha, eu não vou fazer esse negócio. E tem aquela homenagem aos caras que eu faço, que tem o Carlão, tem não sei quem, e o cara fala: "Esses são os marginais", tal e coisa...

Filmes do dia 24/01

Zézero
Ficção, 1974, 35 mm, P&B, 31 min

Um homem simples vive no interior, com sua família, leva uma vida pacata sem ambições, quando surge uma fada enrolada em películas, que lhe seduz, como uma sereia. Seu canto, é a propaganda da cidade grande, ela mostra para o pobre rapaz, tudo que a indústria cultural pode oferecer: dinheiro, mulheres, uma vida melhor. Hipnotizado, o Zé ninguém, parte para a metrópole e deixa sua família, quando ele chega na cidade grande, o rapaz encontra as dificuldades do emigrante, primeiro vive como pedinte, depois consegue um emprego na construção civil, pura miséria, lama e condições desumanas. Mas como todo brasileiro que nasce para liberdade e cresce para morrer, ele é crucificado pelo sistema, que lhe faz achar que o jogo é a solução. Ele começa fazer jogos de sorte, o dinheiro que sua família no interior mandava vai diminuindo, por conta da jogatina e da busca do prazer carnal com mulheres, que tanto ele sente falta. As cenas desta busca são extremamente fortes, ao mesmo tempo belas, onde o diretor, Candeias, inseri sons de cães raivosos, mostrando o primitivismo da busca do prazer, pago ou não. Quando finalmente, o personagem está sem um tostão, ele ganha na loteria e volta para sua casa no campo, chegando lá, ele descobre que toda sua família morreu. E como no começo do filme a fada surge, agora para lhe dizer o que ele deve fazer com todo aquele dinheiro.

Chamado pelo próprio diretor de um filme subterrâneo, Zé-Zero, nem foi levado para o departamento de censura, Candeias sabia que ia se fuder. Ele fala: “O Zé-Zero, tem a seguinte motivação: quando criaram a loteca, achei que era uma safadeza, o cara ao invés de comer a marmita, o ovo, o feijão com arroz, vai jogar na loteca. Achei isso muito mau. O governo abusa da ignorância dos outros, cuja ignorância, já é da responsabilidade dele, vai por aí a fora. Acontece que o Estado abstratamente e concretamente é o responsável por essas coisas todas”.




Aopção ou As rosas da estrada
Ficção, 1981, 35 mm, P&B, 87 min

Entre 1979 e 1981, Candeias realizou “A Opção”, que em seu próprio título (na grafia original que Candeias prefere) a sua síntese - “Aopção”, escritos juntos com o claro objetivo do autor de usar o prefixo “a” indicando “ausência de” ou seja, a falta de escolha, de liberdade, entendida aqui como tema central do filme, “ao qual se agregam outros mitos como a dignidade e a personalidade”. “As primeiras tomadas, no campo, já anunciam a origem e a atividade do grupo de personagens que será o foco da narrativa: trabalhadores rurais. E uma antevisão de uma delas do que será sua vida se ficar vivendo na roça (“ tirando água do poço, cozinhando, lavando roupa, casando, vendo os filhos sendo enterrados, vítima da miséria”) a leva a cair na estrada. Como diz uma música dos anos 70: “Caia na estrada e perigas ver”, uma atitude que no filme outras mulheres também tomam, mas aparentemente não tem nenhuma ligação entre si a não ser a tentativa de transformar ou modificar a vida, indo em busca da cidade grande. “As rosas da Estrada”, o outro nome deste filme, mostra explicitamente que o filme é quase um “Road Movie”, tudo se passa na beira da estrada. Candeias, sabe muito bem do que está falando, como ex-caminhoneiro, ele sabe os caminhos das pedras, até participa do filme, alimentando uma das rosas para que ela não murche. As mulheres caminham em linhas tortas, convivendo diariamente com brucutus, que a tratam como pneus. Destes brucutus viajantes das estradas, elas tiram seu sustento. Para elas o mundo é oval, duro, e cheio de perigos, mas a vida é uma. No final, só lhes sobram os pára-choques e poeira.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Entrevista com Ozualdo Candeias / 2° Parte

Por Ruy Gardnier (agosto de 1999)

CINEMA, PRIMITIVO, MARGINAL

Uma pergunta que eu queria fazer também é relativa a você filmar alguma coisa que geralmente o brasileiro não quer ver, quer esconder, quer botar por debaixo do pano, que ele até admite que tenha na esquina dele mas que ele não admite ver num filme.
Nesses meus filmes eu fui um pouco além disso ainda. As pessoas além de não quererem ver, ainda se aborrecem. Mas eu tenho dito pra muita gente que às vezes me perguntam, gente bem intencionada até, e que me diz "poxa, por que que você faz um negócio desse, o Brasil com tanta coisa bonita...", aquela história toda. E a minha resposta é sempre mais ou menos a seguinte: "olha, se ninguém mostrar o que está no Brasil pra ser feito e que deve ser feito, um dia os responsáveis podem alegar ignorância, né?" Então eu fazendo isso e outros de outras mídias fazendo, pelo menos pode até ajudar os caras. Ainda eu sigo, por exemplo. Eu estava falando que o governo não toma uma série de providências objetivas com relação ao mercado pra fita brasileira, e um cara chegou pra mim e disse: "mas o que é isso? por que vocês não vão falar isso pro governo porque vai ver que eles não sabem?". Eu falei que eles têm obrigação de saber porque isso que eu estou criticando, esse trabalho que foi feito tem quarenta anos, que uma vez virou Instituto Nacional de Cinema e depois virou Embrafilme, de maneira que o governo está sabendo de tudo isso. Normalmente as pessoas aceitam. É que a minha maneira de apresentar é um pouco crua. As pessoas parece que ficam um pouco chocadas.

Você faz pra chocar?
Eu faço sim. Não é bem assim, eu faço porque acho que aquilo tem que ser feito e eu acho que quando eu faço as coisas meio documentais, eu faço elas mais ou menos como são que é para que possa se ter referencial hoje ou daqui a cinqüenta, dez anos, ou quem for lá para trás também. Porque se eu puser já a minha estilização, cor, puramente na minha visão, seja maniqueísta ou não, eu acho que não é bom. Então eu acho que toda coisa que é um pouco documentária tem que ser meio crua, que é para você poder trabalhar em cima dela. Se você elaborar ela muito, fica meia-boca. O Cangaceiro do Lima Barreto... Na verdade foi um cangaceiro muito bem elaborado que aquilo não é cangaço. Mas a estilização dele parece que resultou muito bem... Não fosse aquilo não haveria tanta fita com o cangaço.

Tem uma diferença, porque os seus filmes têm um conteúdo político muito forte, e o filme do Mojica, O Despertar da Besta, tem um conteúdo político muito forte também. Mas ele pode ser interpretado como só um filme de terror, uma ficção de terror, enquanto o seu não, o seu tem que ser exigido como aquilo que tá lá, porque você está filmando a rua, e não um delírio, está filmando as pessoas do jeito que elas são...
Até eu acho que os meus filmes não têm muita semelhança com nenhum do Mojica, que eu conheço bem as fitas dele, e o Meia-Noite fui eu que preparei toda produção pra ele fazer. Para ele, não, para o sócio dele, porque ele tinha um sócio... o sócio é que fazia, o sócio era o mauzinho e ele era o bonzinho. Pra tomar o dinheiro do pessoal por aí. E o sócio dele arrumava dinheiro emprestado, e o Mojica quando a gente passou a tratar da produção, eu levei eles para ver locais, e o Mojica gosta muito de andar de carro, mas na época tinha um certo receio e tal. Depois de eu ter preparado todo o roteiro pra produção, eu fiquei sabendo que ele queria fazer um horror inglês... Ele andava comigo dizendo que eu tinha que arrumar um castelo para ele, que era horror inglês, com mordomo e tudo. Eu falei "Mojica, tira isso da cabeça. Primeiro que não tem castelo, vocês não têm dinheiro pra fazer isso, e vai daí afora." Aí eu levei ele pra ver um casarão e tudo mais, e aquelas coisas de objetos de cena que tem dentro da fita fui eu que arrumei tudo. A sala dele, aquele negócio de parede ornamentada com membros humanos, cabeça, isso e aquilo, a cenografia como fizeram, o cara não entendeu e deve ter ficado melhor do que eu tinha pensado. Mas tudo isso eu já dei, mas era pra pintar o personagem. Uma coisa de cinema acadêmico mesmo, né? Agora, dado um certo primarismo dele e da pobreza da produção, resultou naquilo que foi feito.

O Meia-Noite ou o Esta Noite?
O Encarnarei (Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver, n.d.e.) Eu também tinha feito pra ele a produção de uma fita chamada Meu Destino em Tuas Mãos. E vai daqui vai dali e o produtor dele queria fazer outra fita. O primeiro filme dele, que é o Na Sina do Aventureiro, foi lançado e deu um dinheiro muito bom no relançamento. No lançamento não deu praticamente nada. Então na segunda vez eles queriam fazer o Destino. O Meu Destino também não deu nada, aí começou a não saber o que fazia, se fazia Marcelino Pão e Vinho, se fazia fita religiosa, e eu escrevi um negócio que eu queria fazer, que é o lobisomem. Mas um lobisomem brasileiro, com toda tradição cultural brasileira. E eles gostaram mais ou menos só que o Mojica gosta mais da coisa espetacular e disse: "olha, vamos fazer um negócio aqui com o teu argumento, topa?" Eu falei: não, no meu argumento, não, eu já sei que não é o que você quer. Aí ele inventou o Meia-Noite. Quer dizer, não foi ele que inventou, quem faz o negócio é o Luchetti, é ele que faz o roteiro. A idéia foi dele fazer isso, mas eu que soprei primeiro.

Mas a idéia de fazer um personagem brasileiro, mesmo...
O meu é um lobisomem brasileiro. A idéia do personagem que ele fez é dele, não é minha. A minha é de fazer o horror. Na minha opinião, não é também horror assombração. Foi ele que começou a falar em horror. Como ele é um cara de periferia e chegado nessas brasilidades, lia muito gibi, então lá no bairro dele o dono da funerária chama Zé do Caixão, o cara que trabalha na feira é o Zé da Feira, e vai daí por diante. E ele pôs então o Zé do Caixão, que é um negócio muito bem achado.

Te agrada o estilo do Mojica?
Não, eu não gosto. Primeiro que o estilo dele é o cinema de ninguém. Por duas razões, ele fez uns dois ou três filmes razoáveis. Isso no momento em que ele estava mais ou menos começando, e ele queria fazer um filme de horror. Mas esses horrores saíram, na minha opinião, dados ao pouco conhecimento de cinema que ele tinha. Por isso que saiu essa coisa meio primária, no caso do Meia-Noite e do outro. E essa linguagem é que agradou. E teve o momento político que isso era importante. Hoje essa fita podia ser uma merda, não ia acontecer nada.
O Glauber, no livro dele que você deve ter lido, ele disse: "O único cara que presta em São Paulo é o Mojica". E ele nunca viu a fita do Mojica. Aí o Mojica ficou lá em cima. É aquela coisa do paternalismo da classe média que precisa exercer as suas caridades. Mojica é o coitadinho genial, porque o Glauber falou. E todo mundo passou a endeusar o cara. E ele, muito esperto e competente, adotou isso. Encarou, adotou e aceitou. E aceita até hoje. Eu, como motorista de caminhão, tentaram isso comigo. Eu falei: "Péra um pouco, vamos acabar com esse negócio. Motorista de caminhão é ignorante, é idiota, o que que é?" "O cara era motorista de caminhão e agora fez uma fita..." O que que isso tem de extraordinário. "Saiu da boléia e fez um filme" E eu falei "isso não é bem assim não". E eu desmanchei tudo isso. Senão ia ter que competir com o Mojica. Muita gente quis dizer que a fita era primitiva ou primária. Não é. Porque a primeira parte dela é o resultado, a estrutura de um roteiro que nunca ninguém fez. Ela caminha só de subjetiva em subjetiva (ele está falando do longa A Margem). A fita do Mojica é de qualquer um. A tomada entra quando acha que tem que enfeitar. E a minha não: um cara tá olhando pra um e aquele olha pra um outro, se os dois aparecem tem um terceiro, se ele tá sozinho... se por exemplo eu quiser fazer uma fita, eu estou aqui só (e começa a demonstrar um movimento de câmara subjetiva). Isso é um puta raciocínio. E isso te limita, ou você arruma o que contar ou está fodido. De repente eu estou aqui conversando com você e, pra dizer que é um boteco, estão lá os caras jogando sinuca, mas se eu tiver que mostrar que tem alguém jogando, eu ponho a mão aqui (de novo, n.d.e.), a máquina vira e pega os caras jogando. Aí, o cara quando olha pra bola, aí eu corto. Mas aí pra eu voltar pra ele alguém tem que olhar pra ele e eu volto.

Isso aí é uma questão de linguagem, de tentar mostrar sem ser supérfluo...
Não tem nada supérfluo. Isso foi tudo que não teve, muita gente ficou surpresa com isso. A primeira parte é inteirinha assim. São duas histórias e quatro personagens. Os personagens da primeira história são o Mário Benvenutti e aquela negona. Eu desmancho isso um pouco quando eu mostro aquela parteira, que aquela é um ente meio mítico, porque ela vê de costas, ela vê de qualquer lado, então quando ela olha pode mostrar qualquer coisa, necessariamente ela não tem essa limitação. É quando eu escapo da coisa, de propósito, não é por preguiça. A outra parte do filme já vai mais como deu certo. Mas também não está cheio de tomadinhas, assim, o que está lá tem sentido. Então logo não parece nada com o Mojica ou coisa nenhuma. Mas quase ninguém entendeu isso. Esse negócio de primitivo em cinema eu também acho meio difícil. Ser primitivo em pintura vai bem.

No cinema tem que controlar muita coisa, se filma primitivo tem que montar também...
Tem um monte, você depende de um monte de equipamento, um monte de cara que você tem que levar... Aquilo que um crítico, não sei se é um tal de Bernardo Carvalho disse, falou que uma fita do Babenco era a fita de qualquer um. Eu achei isso meio bom pra esclarecer umas tantas coisas. Porque tem filme que é isso, qualquer um que fizer bota o nome lá... Porque no cinema brasileiro pouca gente tem personalidade cinematográfica.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Entrevista com Ozualdo Candeias / 1° Parte

Por Ruy Gardnier (agosto de 1999)

O COMEÇO

O que te moveu pra começar a fazer cinema e especificamente o teu cinema?
É o seguinte: desde moleque, eu nunca quis ser nada. Todo mundo fala: "Eu faço o que o meu pai faz". Mas eu era meio assim. Como uma das vezes eu morava na beirada de uma estrada de ferro, eu falei que queria ser maquinista, achava aquilo bonito. E depois, lá em Mato Grosso tinha a peonada, eu gostava da peonada, e eu comecei e queria ser peão. Tinham alguns que eram matadores profissionais, bons de pontaria pra caramba, então eu queria ser também um matador profissional, justiceiro.

Você chegou a treinar tiro?
Eu sou sargento de aviação, fiz curso com americanos de metralhadora anti-aérea, metralhadora de bordo. Eu gosto de armas, mas não é por isso não... Eu gosto de equipamentos, essas coisas de cinema e vai daí afora. Eu só estou tentando dizer que eu não era daquelas pessoas que queriam ser alguma coisa. Meu pai vivia andando, né? Então estivemos em Mato Grosso, Campo Grande, Coxim, Três Lagoas, sei lá mais quê, Presidente Prudente, Marília, Olímpia e vai daí afora. Até eu ficar mais ou menos com treze, catorze anos. Aí São Paulo outra vez, fomos trabalhar, numa merda danada, todo mundo trabalhava e mal dava para comer e eu fui ser operário numa fábrica de camas. E como aquilo me chateava eu saía do emprego, ia embora e arrumava outro em qualquer canto e não recebia. Que eu achava meio chato esse negócio de fazer os outros pagar. Aí a minha mãe tinha que saber por onde eu tinha andado para ir buscar o dinheiro, porque eu precisava do dinheiro. Aí eu percebi que eu tinha que continuar estudando porque sem estudar eu não ia conseguir emprego nem porra nenhuma, e eu já tinha alguns conhecidos já letrados, que já tinham primário, secundário e eu nada. Aí eu falei com o meu pai, já estava um pouco melhor de dinheiro, eu fiz um exame de admissão, passei seis meses fazendo exame de admissão - eu só tinha até segundo ano primário - mas passei. Passei e aí fiz perito contador, esses troços todos, mas não terminou. Daí entrei pras forças armadas.

Tudo isso em Mato Grosso?
Não, tudo isso entre Mato Grosso e São Paulo.

Mas a admissão você já fez em São Paulo?
Fiz em São Paulo. E eu estava para terminar, para receber diploma, larguei tudo e mandei tudo à merda. Fui fazer escola de cadetes do Rio Grande do Sul, levei pau nos exames, não sei bem por quê, porque tinham uns dez caras fazendo no Rio de Janeiro e o único que sabia alguma coisa era eu, porque o resto não sabia nada, eu conhecia os caras... Isso pra explicar que eu era um cara sem vocação pra nada.
O fato é que lá num dia, depois de Forças Armadas, depois de eu ter comprado um caminhão, viajado com um caminhão por aí - o que também encheu o saco, porque era andar por aí de caminhão transportando era bom, o duro era receber -, e eu tinha uns tempos de prefeitura, então eu tinha uns tantos direitos com relação ao funcionalismo público, e aí num dia eu vi uns projetorzinhos de cinema, achava que aquilo era meio engraçado e podia comprar um. E eu tinha casado a pouco tempo, tinha um filho pequeno e pensei em mostrar pro moleque, fazer a festa da gurizada. Mas quando eu fui comprar a máquina eu achei que aquilo era uma puta besteira - comprar máquina pra quê? Vamos no cinema que é muito mais simples... - e quando eu fui comprar o projetor eu vi umas câmeras de filmar. Aí eu vi uma 16mm K-stone. O preço era um pouco maior mas eu passei na casa do meu pai que era lá por perto, ele me emprestou dinheiro e eu fui lá e comprei a camerazinha. Juntei uns conhecidos por aí, puseram uma fitinha, "Olha, põe aqui a objetiva no vermelhinho, aqui que isso aqui dá certo, sai". E saiu, né? E eu, junto com uns caras, falamos: "E agora pra ver?" Aí eu comprei um outro projetor num outro cara mas já era um sonoro. Fiz um negócio com o cara, botei ele na fita também, aí fomos pegar o projetor dele e fomos ver. Aquilo era tudo uma festa, né?

Isso com que idade?
Eu já estava pra lá de adulto, eu já tinha trinta e não sei quantos anos.

Você ficou no caminhão até quando?
Eu andei com ele cinco, seis anos. É que eu ficava fazendo uma coisa e depois largava. Mas nesse momento eu ainda tinha caminhão. Quando eu comprei essas câmeras eu ainda tinha caminhão. Por exemplo, eu às vezes viajava, fiz um montão de coisas em Belo Horizonte, no Sul, filmei umas coisas, e na verdade estava na moda, estava aparecendo muito disco voador por aí, pelo menos no jornal, e eu falei: "Eu ainda filmo um disco voador". Eu viajava no caminhão com a câmera do lado pra filmar um disco voador (risos) mas era uma câmera muito boa, era uma objetiva já de polegada, que já não era foco fixo e eu precisava prender. Mas o que acabou me mudando as coisas é que um dia eu quis filmar determinadas coisas que eu não tinha condição, conhecimento técnico. E estraguei uma bobininha de trinta metros, e tive que pagar, junto com uns caras, que era vaca pra comprar uma bobininha. Porque tudo naquele momento pra mim era muito caro. Aí eu fui numa dessas óticas e comprei um livro - eu vou só citar este - que era Cinecamera y sua tecnica 16mm, e comecei aquilo que era fotografia e também eu não sabia nada. Aí é que eu percebi, eu falei: "Puta merda, é por isso que eu erro tudo". Aí eu aprendi o que era câmera, o que era luz, o que era fotografia, essa coisa toda. Passei a entender isso. Com este livro, eu já fiz minhas tentativas. Eu morava lá em Jaçanã e tinha uma fábrica lá, uma produtora de filmes chamada Maristela, depois da Vera Cruz era a melhor, só que a Maristela é posterior à Vera Cruz, a Vera Cruz fechou no começo dos 50 e essa foi quase até 60, fazendo uns filmes tecnicamente muito bons. E era a única com capital privado sem picaretagem. Nesse negócio eu conheci um assistente de câmera, por causa da minha 16mm eu fui bater numa tal de Saturno Filmes, porque era um pessoal que trabalhava com 16. Porque o filme que eu tinha comprado estava estragado. Eu comprei numa Mesbla aí qualquer e quando fui reclamar o cara me mandou reclamar com outro cara que o filme não era dele. Aí eu conheci o cara e comecei a aprender a coisa, porque foi a primeira vez que eu tentei filmar negativo positivo. porque antes era sempre diapositivo. Aí eu fiquei sabendo que aquele negativo que eu comprei não era negativo de imagem, era negativo de som. Sensibilidade muito baixa e um contraste tremendo. Aí fiquei conhecendo a moçada, a raça toda que estava por lá, e como eu morava em Jaçanã, um cara chamado Eliseu Fernandes, ele disse: "Quer dar uma chegada e olhar o estúdio?". Eu eu fui lá ver. No dia que eu cheguei, a grua estava parada porque não estava freando. Aí eu perguntei por que não ia. Eu falei: "Deixa eu dar uma olhada", que eu tenho umas idéias, sobre uma porção de coisas. Eu quase sempre fui muito curioso. Aí eu olhei e disse: "Pra trabalhar hoje se vocês quiserem eu dou um jeito nela". Eu notei que o freio dela era hidráulico igual automóvel, e um lado estava com o burrinho vazando. Então eu anulei esse burrinho e ela passou a trabalhar só de um lado. A turma gostou, o iluminador ficou falando. Aí o cara me deu a dica de que lá pelos 50 tinha havido uma escola de cinema em São Paulo com o pessoal da Vera Cruz onde tinha o Nélson Pereira, se não me engano o Roberto Farias que fizeram este seminário de cinema, tinha o Cavalcanti aí também. E abriram esse curso de novo em 56, e eu entrei pra fazer esse curso. Terminei ali por 1960. E esse curso logo depois que eu terminei ele foi pra FAAP e é o curso de cinema deles. Então essa foi a maneira como eu comecei cinema. Nesse meio tempo, eu já tinha boa idéia, já tinha uns vinte ou trinta livros de cinema.

Esses livros eram todos sobre técnica?
Todos eles sobre técnica, não tinha mais nada. Era montagem, era produção... Nisto eu conheci um inglês chamado Ballandier que tinha uma câmera, vinha da Inglaterra e disse que estava fazendo direção de fotografia e me chamou pra vir ajudar. Eu até estava ajudando na produção com o meu caminhão, não era porque eu sabia nada não. Nesse momento, já em 55, eu já dominava a minha câmera, a linguagem, eu comprei aquelas moviolinhas... roladeira, como falam, e fiz um filme sobre um padre milagroso aqui do estado de São Paulo. E esse filme até pouco tempo ainda foi tido como um dos melhores filmes sobre essa religiosidade. Fiz de caminhão, eu vinha, filmava... Ficou uma puta surpresa.

Esse filme qual é?
Chama Tambaú, Cidade do Milagre. O padre chamava-se Donizete, então todo mundo que se chama Donizete hoje é por causa desse padre. Então eu fui junto com uns caras, fizemos uma sociedade e deu uma graninha a fita.

Era um curta-metragem?
Não, um média. Passou em cinema de 16mm. E um cara do Rio de Janeiro, o Wolf, veio aqui e ganhou o que seria hoje um milhão ou dois. O Pieralisi, que é um outro italiano, veio aqui pra fazer um documentário pra ganhar um dinheiro também, mas quando veio isso já estava furado... Aí eu conheci esse cara, e ele precisava fazer uma reportagem, que ele era cinegrafista também, esse George Ballandier, e ele tinha um encontro com uma mulher, e perguntou se eu queria fazer aquilo pra ele. Mas eu nunca tinha mexido numa Arri. Aí ele me deu a Arri e eu disse: "Mas me ensina a carregar". E eu fiz a reportagem. A reportagem agradou pra caramba. Daí pra frente eu virei cinegrafista. E fui cinegrafista quase até 70. Fiz cinegrafia para um bocado de gente. Mas como pra essas produtoras o que eu filmava os caras não montavam porque eu riscava (o filme), tinha uma certa ousadia, inventava, etc., então eu montava. Ninguém fazia primeiríssimo plano cortado pra isso, praquilo e eu logo fazia, fazia o que dava para experimentar. Então eu tinha que montar para os caras. Aí entrava outro negócio: do jeito que eu montava, os caras que escreviam texto pros jornais diziam que não podiam. E de fato não era nada do que eles estavam acostumados a fazer. Então eu passei a fazer o texto também. Eu dava a minha matéria pronta, montada em negativo e escrita. E às vezes fazia um jornal inteirinho. Aí vinha um cara de Goiás, do Mato Grosso e fazia um jornal inteirinho, ele me pagava e pronto. Claro, ele tinha lá as picaretagens dele lá na terra dele. Eu ia lá, filmava o que ele queria, juntava com algumas curiosidades e montava o jornal. E assim eu fui vivendo. Até fazer o primeiro longa.

Isso foi quando?
Isto já era 60, tudo no início da década de 60 que eu comecei a fazer turismo e também viajei pela América do Sul toda também numa produção.

Pois é, eu vi aquele especial do Valêncio Xavier da América do Sul, com os seus curtas.
É meio chato aquilo... O caso é o seguinte: ele me convenceu a fazer aquela porra daquele negócio (risos). E eu de uma má vontade filha da puta...

Você estava bem, falando das tribos, dos lugares...
Depois daquilo eu fiz mais dois. Como também fui ator de primeiro papel em dois filmes. Tinha um cara que queria me contratar para dois ou três filmes, exclusivo, já pagava mas eu tinha que ser o ator principal. Eu disse deixa pra lá que eu não estou muito a fim disso não. Eu as fitas que eu fiz como ator foram muito bem. Eu sempre trabalhei com o David Cardoso. Depois trabalhei com o Mojica também, e a fita que ele fez ficou famosinha, eu não sei qual é o nome dela, Besta Fera...

O Despertar da Besta?
É, O Despertar, uma besteira dessa ordem. Tem eu e uns caras aí. "Não, vamos lá!" Não tinha nada para fazer então eu ia. Fui lá e não pagou nada, ele entrou numa fita minha, trabalhou uma hora e quando acabou já foi perguntando "Cadê o meu?" (risos) E no filme dele eu fiquei um mês pra fazer a fita dele. Quando eu falei "Corta! Corta!", ele perguntou se tinha mais alguma coisa e já foi pedindo o dele, falando que não queria em cheque... Ele é desse jeito mesmo. (risos) Você mencionou esse da América do Sul, eu também fiz perto de vinte episódios sobre história da arte do Brasil para a TV 2. Fez um puta sucesso na época.

Isso foi por quando?
Perto de 80. Fiz um espetáculo, ficou muito bom também. Este ano, aqui, no concurso de peças tem uma que o argumento é meu, e foi muito bem, ganhou prêmios. Claro que teve o diretor, mas é projeto amador, incentivo para essas secretarias de cultura municipais por aí. Mas agradou muito.
Bom então este é o começo. Aí eu tive que bolar um filme. Aí arrumei um cara meio sócio. Convenci um pessoal para pagar umas coisas, virou uma cooperativa, né? Tinha cara lá que ganhava pelo papel 0,001 porque não tinha nada o que fazer... Mas a fita foi a que me lançou, a que estourou foi A Margem.

Qual é o seu filme que você gosta mais?
Dos meus? Não tenho predileção por nenhum, nem detesto um também. Eu na verdade não faço o filme que eu gostaria de ver, eu faço o filme que eu acho que deve ser feito e que deve ter pelo menos alguma importância cultural, social, política. Eu faço por isso. Agora, o papo de gostar, é claro, cada um tem alguma coisa que eu gosto, mas é pelo que aconteceu e o que deixou de acontecer, pelas relações com as pessoas na filmagem... Me parece que todos eles têm lá sua importância.

Mas você separa entre os filmes que você faz de encomenda e os que faz por vontade?
Eu não tenho fita de encomenda, na minha opinião.

Mas e a do David Cardoso (Caçada Sangrenta), A Freira e a Tortura...
Mas eu fiz porque eu quis, ele foi feito como eu queria, não foi feito como o David quis não. E muito menos como o Jorge Andrade, que é o dono do argumento. O que eu fiz é só baseado no argumento do Jorge Andrade, ele ficou puto da vida comigo por causa disso. E o David gostou do negócio, o papel é muito bom pra ele e ele topou coproduzir. Ficou quatro, seis meses preso na censura. Claro que, na revolução ainda, tinha que ter ficado mesmo. Agora, tinha umas coisas no filme que eu fazia umas grossuras na fita com o Médici e ele tirou. E eu só vi isso quando a fita estava pronta.

Quando é que você começou a achar que nos seus filmes deveria ter essa coisa social, política?
Tem uma coisa que é meio inata, creio eu. É que quando eu fiz o primeiro filme, ele virou mais ou menos social porque era a minha visão de mundo. Eu não sabia, eu não tinha consciência porque eu não usava nada disso, eu ficava por aí, meu negócio era andar atrás de mulher, e nunca tirei fotografia, não tinha nada a ver com nada... Tinha é que trabalhar, né? Eu sempre tive facilidade de fazer as coisas e às vezes escrevia. Talvez tivesse uma certa vocação para escrever. Quando eu era recruta e estava no exército, os caras que escreviam muito mal e sabiam que eu escrevia bem pagavam um almoço pra mim, pra eu escrever carta pra namorada... Dependendo da namorada, eu dizia: "Olha, enfeita bem", ou então não... Isso lá na caserna. Numa das vezes, eu trabalhava no Estado Maior e inventei uma história de ficção, uma viagem de um universo pra outro. Eu tinha idéia assim, dumas coisas astronômicas. Fiz uma nave, aquele negócio todo, e tinha os conflitos dos tripulantes... Mas os tripulantes eram todos gente conhecida: era o cabo num sei quê, o sargento num sei que lá... Então quando eu não gostava o cara apanhava... (risos) E todo mundo lia a minha história. O cabo do rancho, que se chamava Tatu, um dia disse: "Poxa, você precisa me pôr nisso. Você sabe fazer, você apanha qualquer dia aí uma goiabada com queijo". Aí eu coloquei ele e quando dava hora do almoço eu passava ali, tomava um cafezinho, tudo escondido, porque não podia ser de outro jeito. Isso por causa do personagem... Tem uma outra história, de uma zona lá por Presidente Prudente, tinha uns caras que eu conhecia, uns caras da polícia e da comunicação, a gente ia pra lá e eu inventei uma história, eu sentava na máquina do escritório de um deles, e então fazia uma cara escrevendo uma carta para uma mulher no Rio e a mulher do Rio escrevia pra ela. E o tema era o seguinte: era uma cara que tinha saído daqui e tinha ido pro Rio de Janeiro mas tinha sido traficada por traficantes. Então tinha aquele negócio, ela ia pra zona, etc. Ela contava a saga dela toda. Aí os caras vinham aqui, e tinha um cara que levava pra zona e acabava dormindo com as mulheres porque ele dizia que era ele que escrevia. (risos) Tinha um dia que eu dava carta pra ele e ele ia pra zona, uns cinco, seis e a mulherada toda em volta dele porque ele lia, fazia leitura das minhas cartas e dizia que era verdade (risos). Depois é que eu fiquei sabendo, eu disse pra ele "Não tem mais carta". E ele: "Não faz isso comigo..." (risos). Então era assim, social ou não, a minha visão da coisa era essa. Com A Margem, como eu comecei a ter que falar com muita gente, fazer papo sobre cinema, aí eu comecei a pegar o jeito, e tive que me definir com esse problema de posição. E que no fim virou essa coisa do marginal por aqui também. De fato, eu tenho uma certa admiração por Marx, acho um cara importante, pelo menos por ter descoberto que o importante é a mão de obra e não o capital, acho isso muito bom. Acabei sendo meio maoista, porque não podia ser trotskista, leninista, porque me desagrada de fato. Mas eu sempre fui meio considerado anarquista, né?

Engraçado que a maior parte dos cineastas de esquerda do cinema novo são pessoas vindas da burguesia que são aquela do intelectual que tem que renunciar a sua classe para poder falar. Você não tem isso, já é outra coisa... você já é do campo...
Se você pegar o Nélson (Pereira dos Santos), ele não é de uma origem muito lá em cima também não. Que é o cara que tem consciência mesmo. Porque o pessoal do cinema novo, eu não acho assim... Eles eram mais ou menos esquerda por um momento que era moda, e depois iriam abrir mão disso. Foi o que me aconteceu em Brasília. Perguntaram: "Olha, você ainda continua com essa de esquerda? Ora, todo mundo já abriu mão". Então tem esta coisa, né?

O Glauber foi meio porra-louca até a morte.
Mas nunca foi tido como esquerda nem marxista, nunca. É que inventaram que ele era por uma série de razões. O que ele tinha era uma visão bem liberal das coisas. E o que estava acima de tudo era o cinema. Mas todo mundo inventou aquilo. Ele nunca foi exilado também, como tem um bocado de gente... "No tempo que fui exilado, eu passei por México, por Cuba", eu digo: "Exilado o caralho". Foi tudo auto-exilado. E tem mais: eu acho que aquele cara que é auto-exilado, eu não tenho muito respeito por ele não, porque se ele tinha alguma coisa a fazer naquele momento de revolução, alguma atitude para tomar, vale a pena é aqui dentro, não é lá fora não.

Nessa época você até burlou a censura fazendo o ZéZero e o Candinho.
Tem o ZéZero e o Candinho, e ninguém fez isso. Se pegam esse filme eu estava meio mal, ia debaixo de porrada pelo menos. O ZéZero passa por aqui, na Eca, tem um professor... É uma fita que foi feita assim, só eu e os atores, mais ninguém. Todos dois têm prêmio estadual. Quer dizer, por baixo da cortina, né?

Você teve algum tipo de relação complicada com censura, do tipo ameaça de prisão?
Não. Eu tinha uma idéia perfeita do que a censura podia fazer. Não é o problema de ser auto-censura, que muita gente acha que complica mas eu não acho. O cara pode se auto-censurar quando ele tem um puta conhecimento. Se ele não tem nada ele vai censurar o quê? Então ele vai ficar com medo. E eu não tinha medo. Por exemplo, Meu Nome É Tonho teve problemas na censura, tiraram uns pedacinhos, e quando veio eu fiz uns cortes. E muita gente entendeu a fita meio como metáfora, mas não é. É uma fita toda cultural, baseada nos nossos bandidos, nosos matadores. Foi um puta sucesso.


fonte: http://www.contracampo.com.br/

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Filmes dia 17/01

Candeias: da Boca pra fora - Dir. Celso Gonçalves, Doc., SP, 2002, Cor, 17 min.
Um retrato original de um dos mestres do Cinema Marginal, Ozualdo Candeias, realizador dos clássicos “A Margem” e “Zezero”; genuinamente um cineasta do povo. Divertidos e controversos depoimentos de personalidades do cinema como Zé do Caixão, Carlos Reichenbach, Inácio Araújo e Jairo Ferreira.

A Margem - Dir. Ozualdo Candeias, Ficção, 1967, P&B, 96 min.

Primeiro longa metragem de Ozualdo Candeias, “A Margem” é uma obra, realizada com baixíssimo orçamento, atores amadores, mas de uma criatividade incrível, representando para muitos, o filme que deu início ao cinema marginal no Brasil. O filme acompanha a trajetória de 4 personagens, que perambulam por áreas pobres em volta do rio Tietê em São Paulo. Eles andam e andam sem um objetivo aparente, parece que para o nada, mostrando que não existe um futuro, ou melhor, existe a mesma miséria que os cercam e nunca vão levá-los a nada.
Os personagens são: Um louco que sempre está em busca de uma rosa, uma jovem que vira prostituta por necessidade, uma prostituta negra, que sonha em casar e um homem que destoa dos outros por estar bem vestido, ele sempre parece estar incomodado, quase sufocado. A vida dos personagens se relaciona, sempre acompanhada de perto pela morte, que personificada em uma mulher misteriosa, passeia de barco pelas margens do rio Tietê. Uma das grandes inventividades do filme são seus planos, através da subjetiva dos personagens, o espectador observa a pobreza, através do olhar dos personagens. A miséria é mostrada por quem participa dela, sem a visão paternalista do cinema novo, movimento cinematográfico que antecedeu o cinema marginal. Mas “A Margem”, não é só um filme marginal, ele é uma poesia marginal, poesia filmada, uma viagem onírica pelo submundo.


Mostra: "Ozualdo Candeias, o marginal entre os marginais"

Há quase dois anos, morria aos 88 anos, Ozualdo Candeias, considerado um dos papas do cinema dito “marginal”. Era, talvez, o nome mais representativo do Cinema da Boca do Lixo.

Caminhoneiro e “gigolô de prostituta pobre”, como se autodenominava, Candeias era um intuitivo, pouco ou nada teórico. Dirigiu 15 filmes, de longas a curtas-metragens, aprendeu a dirigir exercendo as várias funções do cinema, produtor, cinegrafista, continuísta. Candeias fazia parte do time de diretores que se encaixam na linha dos diretores marginais, pela preocupação em retratar excluídos e personagens do submundo, de forma experimental e barata. Mas ele tinha uma sofisticação oculta que lhe permitiu adaptar Hamlet, de Shakespeare, sob o título de “A Herança”, sem diálogos, com temas e ambientação brasileiros e tocadores de viola fazendo as vezes de coro. Sua incorporação de tipos populares (com os quais conviveu) às tramas, seu desprezo pelo bom gosto, que chamava de “burguês”, e uma liberdade muito grande na hora de filmar o tornaram uma referência para cineastas de invenção, como Rogério Sganzerla, José Mojica Marins e Carlos Reichenbach.

Candeias, que tinha uma visão bastante artesanal do seu trabalho e não aceitava o rótulo de primitivista, sempre colocou em primeiro plano os deserdados da existência, mostrando as mazelas, retratando os abandonados da sociedade, e com uma preocupação em realizar um cinema do desequilíbrio (formal e social). O crítico Ruy Gardnier fala: “Cinema do concreto, cinema do real como processo de produção, poderíamos ilustrar a obra de Candeias pelo paradoxal título Aopção: a opção do filme não é se dar bem ou mal (o que seria uma verdadeira opção), é se destruir no campo ou na cidade, porque você pode mudar de lugar, pode mudar de aflições, mas o inferno continua o mesmo (o que de forma alguma é uma opção). A única opção no cinema de Candeias é continuar vivo se possível procurando uma saída”.

“Ozualdo Candeias, o marginal entre os marginais” é sem dúvida um realizador único, sem amarras com movimentos ou distribuidoras, sendo por isso, responsabilizado pelos intelectuais do Cinema Novo de contribuir com a alienação imposta pela ditadura, ao realizar um filme (A Margem) que fala sobre os marginalizados, mas de uma forma poética ou com influências das vanguardas européias, sem o paternalismo marxista, notório nos filmes do CPC, ou, o que veria a ser o movimento: Cinema Novo. “Marginal entre os marginais”, é fazer um filme que abre o caminho para o cinema dito “marginal” no Brasil e logo em seguida fazer filmes com uma forte influência de faroeste, quando todos os diretores “marginais” estavam fazendo filmes com temas urbanos, com influências “pop”, mas Candeias é único, o Western feito por ele é antropofágico, ele adapta Hamlet à cultura do Bang-Bang e avacalha a alta cultura.
“marginal entre os marginais” é realizar filmes por quase toda sua vida na Boca do Lixo, local de produtores e diretores do cinema paulistano, sem fazer pornochanchada ou mais tarde, filmes de sexo explícito, e ainda, combater estes gêneros. Este é o “marginal entre os marginais”, criador de um cinema brutal, que nunca precisou dar satisfação pra ninguém, um autoditada do cinema, um dos maiores e mais atuantes cineastas do Brasil, injustiçado por ser ele mesmo. Este é Ozualdo Candeias.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Sanatório apresenta sua nova Mostra: "Ozualdo Candeias, o marginal entre os marginais"


Durante o mês de janeiro, nos dias 17, 24 e 31, apresentaremos a Mostra: “Ozualdo Candeias, o marginal entre os marginais”, uma homenagem aos dois anos da morte de Ozualdo Candeias, um dos grandes cineastas injustiçados do Brasil, precursor do cinema marginal, de invenção ou experimental. A Mostra vai abrir a tampa da garrafa do cinema marginalizado que estava a deriva por muitos anos em mares profundos, desta garrafa, retiramos 4 tesouros nunca vistos antes em Sergipe, do “caminhoneiro”e realizador Ozualdo Candeias. Um dos tesouros é o filme: “A Margem”, obra decisiva para o começo do cinema marginal no Brasil, além, de outros filmes censurados por forças malignas vigentes na época.

Lançaremos juntamente com exibição dos filmes, o Zine Sanatório: idéias deglutidas e arrotadas sobre a Mostra, o universo cinematográfico nacional e outras formas de expressões culturais. As entradas para a Mostra e o Zine são de graça.


LOCAL: UNIT – CENTRO / BLOCO A / SALA 9
HORA: 14:30