segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Mostra: "Ozualdo Candeias, o marginal entre os marginais"

Há quase dois anos, morria aos 88 anos, Ozualdo Candeias, considerado um dos papas do cinema dito “marginal”. Era, talvez, o nome mais representativo do Cinema da Boca do Lixo.

Caminhoneiro e “gigolô de prostituta pobre”, como se autodenominava, Candeias era um intuitivo, pouco ou nada teórico. Dirigiu 15 filmes, de longas a curtas-metragens, aprendeu a dirigir exercendo as várias funções do cinema, produtor, cinegrafista, continuísta. Candeias fazia parte do time de diretores que se encaixam na linha dos diretores marginais, pela preocupação em retratar excluídos e personagens do submundo, de forma experimental e barata. Mas ele tinha uma sofisticação oculta que lhe permitiu adaptar Hamlet, de Shakespeare, sob o título de “A Herança”, sem diálogos, com temas e ambientação brasileiros e tocadores de viola fazendo as vezes de coro. Sua incorporação de tipos populares (com os quais conviveu) às tramas, seu desprezo pelo bom gosto, que chamava de “burguês”, e uma liberdade muito grande na hora de filmar o tornaram uma referência para cineastas de invenção, como Rogério Sganzerla, José Mojica Marins e Carlos Reichenbach.

Candeias, que tinha uma visão bastante artesanal do seu trabalho e não aceitava o rótulo de primitivista, sempre colocou em primeiro plano os deserdados da existência, mostrando as mazelas, retratando os abandonados da sociedade, e com uma preocupação em realizar um cinema do desequilíbrio (formal e social). O crítico Ruy Gardnier fala: “Cinema do concreto, cinema do real como processo de produção, poderíamos ilustrar a obra de Candeias pelo paradoxal título Aopção: a opção do filme não é se dar bem ou mal (o que seria uma verdadeira opção), é se destruir no campo ou na cidade, porque você pode mudar de lugar, pode mudar de aflições, mas o inferno continua o mesmo (o que de forma alguma é uma opção). A única opção no cinema de Candeias é continuar vivo se possível procurando uma saída”.

“Ozualdo Candeias, o marginal entre os marginais” é sem dúvida um realizador único, sem amarras com movimentos ou distribuidoras, sendo por isso, responsabilizado pelos intelectuais do Cinema Novo de contribuir com a alienação imposta pela ditadura, ao realizar um filme (A Margem) que fala sobre os marginalizados, mas de uma forma poética ou com influências das vanguardas européias, sem o paternalismo marxista, notório nos filmes do CPC, ou, o que veria a ser o movimento: Cinema Novo. “Marginal entre os marginais”, é fazer um filme que abre o caminho para o cinema dito “marginal” no Brasil e logo em seguida fazer filmes com uma forte influência de faroeste, quando todos os diretores “marginais” estavam fazendo filmes com temas urbanos, com influências “pop”, mas Candeias é único, o Western feito por ele é antropofágico, ele adapta Hamlet à cultura do Bang-Bang e avacalha a alta cultura.
“marginal entre os marginais” é realizar filmes por quase toda sua vida na Boca do Lixo, local de produtores e diretores do cinema paulistano, sem fazer pornochanchada ou mais tarde, filmes de sexo explícito, e ainda, combater estes gêneros. Este é o “marginal entre os marginais”, criador de um cinema brutal, que nunca precisou dar satisfação pra ninguém, um autoditada do cinema, um dos maiores e mais atuantes cineastas do Brasil, injustiçado por ser ele mesmo. Este é Ozualdo Candeias.

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